A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJC) da Câmara dos Deputados começa, na segunda-feira (26), as audiências
públicas sobre a Proposta de Emenda à Constituição 32/2020, a reforma
administrativa. “O debate é essencial. O Estado exige bastante da pessoa na
hora do ingresso no serviço público, com provas de altíssimo nível, mas depois
faltam instrumentos tanto para punir quanto para premiar. O servidor estimulado
é a garantia da prestação de um serviço de excelência à sociedade”, diz Vicente
Braga, presidente da Anape.
Apesar do colegiado analisar somente a
constitucionalidade da proposta antes de encaminhar para comissão especial, a
presidente, deputada Bia Kicis (PSL-DF), e o relator, Darci de Matos (PSD-SC),
decidiram abrir o debate com os setores envolvidos. A previsão é que mais de 40
associações sejam ouvidas até o dia 14 de maio.
A Associação Nacional dos Procurados dos Estados e
do DF (Anape) será a primeira a entidade a participar das audiências públicas,
já na segunda. Em entrevista ao Blog do Servidor, o presidente da Anape,
Vicente Braga, diz que a reforma administrativa é uma oportunidade de
modernização do serviço público brasileiro, mas alguns pontos precisam ser
aprimorados. Confira:
Qual a avaliação da Anape sobre a PEC
32, que prevê a reforma administrativa?
A PEC representa uma oportunidade de rediscutirmos
diversos aspectos do funcionalismo público em busca do aperfeiçoamento dos
serviços oferecidos à população brasileira. Para que isso aconteça, defendemos
um debate amplo, baseado em fatos e números reais, que vão muito além da
contumaz demonização do servidor público. O compromisso do servidor público é
com a sociedade, com o servir ao público, e é nessa premissa que deve estar o
foco da reforma. Hoje, vivemos em uma situação drástica de pandemia. Nunca a
sociedade precisou tanto da atuação do Estado e quem move o Estado são os
servidores. Esta é a nossa função, estender a mão às pessoas.
Claro que abusos precisam ser contidos e falhas
corrigidas, mas a reforma precisa ser baseada em um texto mais bem elaborado
que o atual e temos essa chance agora, no Parlamento. Agora é a hora dos
servidores públicos darem contribuições para uma reforma justa e efetiva. O
debate na Câmara será uma excelente oportunidade para que os servidores participem
ativamente de uma transformação do funcionalismo público.
Quais são os problemas da proposta
apresentada pelo governo?
A proposta, como está hoje, vai acabar por sucatear
o serviço público. Ela é um retrocesso. O primeiro ponto é a retirada de prerrogativas.
As prerrogativas não são dos servidores, elas são dos cargos e são a garantia
de um trabalho independente. O fim da estabilidade, por exemplo, seria péssimo
para o país. A estabilidade não existe por acaso. Ela é um elemento
imprescindível para a democracia e para o bom funcionamento do Estado, para que
o servidor não se dobre a interesses políticos.
Se há distorções, se há servidores que aproveitam
da estabilidade para desempenhar um mau serviço, isso pode e deve ser
corrigido. Há mecanismos previstos em lei para punição desses servidores. É
preciso aplicá-los. É preciso investigar na criação de uma cultura de avaliação
dos servidores, por exemplo, por meio do investimento em órgãos de
corregedoria. Há diversas formas de separarmos o joio do trigo, mas eliminar a
estabilidade é abrir uma porta para a captura do Estado por interesses de entes
políticos e privados.
Outro ponto preocupante é a vedação do exercício de
qualquer atividade remunerada para servidores de carreiras típicas de Estado.
Você exigir dedicação exclusiva de um servidor não fará dele um servidor
melhor. Não se pode impedir, por exemplo, que um servidor escreva um livro em
seu horário livre e receba direitos autorais por ele. Ou que ele ministre uma
palestra, compartilhando conhecimento, e não possa receber por isso. É um
desestimulo à produção intelectual e social. Não se pode impedir que uma pessoa
faça o que quer nas horas vagas. Isso pode desestimular bons quadros de
ingressarem no serviço público.
Mas os mecanismos de avaliação e
punição dos servidores não são efetivos. Dados da CGU mostram que é
praticamente impossível demitir um servidor por mau desempenho. Como se resolve
esse problema sem tirar a estabilidade?
Em qualquer espaço, em qualquer empresa privada e
também no serviço público, existem bons e maus servidores. Hoje, há normas que
permitem você fazer uma boa avaliação de desempenho. A dificuldade está na
aplicação dessas normas. Falta o investimento social e político em uma cultura
de eficiência e prestação de contas à sociedade. Por isso, temos que fortalecer
os órgãos de corregedoria e as ouvidorias. Investir em auditorias externas para
evitar o compadrio e o assédio dentro dos órgãos. Esse momento, no Parlamento,
é a oportunidade que temos para colocar ideias à mesa. O que há previsto na
legislação? O que carece de regulamentação? Que caminhos podemos seguir?
O debate é essencial. Tenho certeza de que o
Congresso construirá um bom caminho para a criação de uma cultura de
eficiência. E não estou falando só de punição. O Estado exige bastante da
pessoa na hora do ingresso no serviço público, com provas de altíssimo nível,
mas depois faltam instrumentos tanto para punir quanto para premiar. O servidor
estimulado é a garantia da prestação de um serviço de excelência à sociedade.
Fonte: Correio Braziliense