Quando
surgiu a oportunidade de escrever um artigo para esta coluna, foi sugerido que
escrevesse sobre as atividades de êxito da Procuradoria Geral do Estado do
Tocantins perante o Poder Judiciário. Logo me veio à tona o importante papel
que a Advocacia Pública exerce nos Tribunais.
Acredito
que essa lembrança ocorreu devido a minha vivência passada junto aos Tribunais
Superiores em Brasília, principalmente no Superior Tribunal de Justiça e no
Tribunal Superior do Trabalho. Desde essa época, percebi que a aproximação da
instituição de representação judicial do Ente Público permite uma melhor exposição
da tese ou defesa que fortalece a limitação enfrentada pelo texto escrito.
O
contato humano tem muitas vantagens que superam a nossa intuição inicial que,
muitas vezes, pressupõe que o magistrado já estaria plenamente municiado da
discussão e que, eventual intervenção ou audiência, seria ociosa e até
enfadonha. Em “Making Your Case: The Art of Persuading Judges”, Antonin Scalia
e Bryan A. Gardner expõem que, para além da mera formalidade, a argumentação
oral faz a diferença porque fornece informações e perspectivas que as petições
não contêm e não podem conter (tradução nossa).
Na
época da pandemia, quando o tempo do orador foi reduzido pela metade (cerca de
8 minutos), numa mesma sessão virtual em uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça
do Tocantins (TJTO), como estratégia, sustentei três vezes seguidas sobre a
mesma matéria – inscrição de débito de ex-servidores na dívida ativa. As
execuções fiscais do Estado, aparelhadas com certidões de dívida ativa (CDA’s)
dessa natureza, estavam sendo extintas, na primeira instância, por alegada violação
ao devido processo, a despeito da autorização expressa no art. 43 da Lei
Estadual n. 1.818/2007. O Tribunal estava corroborando tal entendimento com
fundamento, em especial, no Tema 598 do Superior Tribunal de Justiça, relativo
a benefícios previdenciários, que exige o ajuizamento de ação de cobrança para apuração
de responsabilidade por eventual enriquecimento ilícito do beneficiário.
Em
cada uma das sustentações enfatizei um aspecto diferente. Na primeira, discorri
sobre as questões legais da matéria, tanto com menção ao estatuto dos
servidores bem como a legislação federal e a necessidade de adotar-se o
procedimento do Código de Processo Civil para afastar sua aplicação, sob pena
de violação ao artigo 97 da Constituição (Súmula vinculante 10/STF). Na
sustentação seguinte, abordei o equívoco, com o devido respeito, da utilização
do Tema 598, pois o Superior Tribunal de Justiça, em outro julgado, havia excepcionado
a possibilidade da inscrição em dívida ativa de reposições ou restituições de
ex-servidores federais com base em dispositivo de lei federal com redação
idêntica à do nosso Estado. Por fim, apelei para o aspecto da justiça do caso,
pois, o último processo pautado, envolvia uma dívida que beirava R$ 200 mil
reais. Objetivamente, não logrei êxito em nenhuma das sustentações, nem mesmo
um pedido de vista. Os julgadores pareciam irretratáveis em seus posicionamentos.
Em sua
época, Alfredo Augusto Becker, diante da profusão de súmulas do Supremo
Tribunal Federal, previa, no seu “Carnaval Tributário”, a migração da
civilização do texto para a civilização do número com o risco a mera replicação
desses entendimentos pelas instâncias inferiores. Produzindo um cenário que empobreceria
o debate de ideias, doutrinas, e o reduziria a menção de um número. A aposição
de um carimbo.
Embora
seja compreensível, e desejável, a célere distribuição da justiça, amparada na
aplicação de precedentes qualificados, o Judiciário sempre estará tensionado
pela perspectiva do jurisdicionado em relação a distinção do seu caso. Nesse
momento, brilha a atuação da advocacia que não mais dispensa a companhia de
outros atores que possam auxiliar na sensibilização do julgador. Que o diga a
presença em audiências nos Tribunais Superiores de Secretários de Estado e
Governadores na tentativa de arrefecer os efeitos prejudiciais que mudanças
tributárias recentes no ICMS causaram ao cofre dos Estados. O coro dessas
autoridades ajudou a revisar, na undécima hora, posicionamentos judiciais
aparentemente consolidados. Senão, pelo menos, obteve maior prazo para a
reorganização das finanças com a modulação temporal de julgados.
Na
militância perante os Tribunais, logo percebemos que a atividade jurisdicional,
embora centrada na pessoa do julgador, é rodeada por uma diversidade de atores
que, em maior ou menor medida, contribuem para a elaboração da solução institucionalizada
do direito. Na jurisdição constitucional, Peter Häberle defende a sociedade
aberta dos interpretes da constituição como a melhor maneira de representar o espírito
democrático dos nossos tempos: “no processo de interpretação constitucional
estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potencias
públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco
cerrado ou fixado com numerus clausus
de intérpretes da Constituição”.
Em
vista dessa realidade, mostra-se cada vez mais estratégico o engajamento da
Procuradoria junto aos gabinetes dos magistrados, na instância local ou
superior, na tentativa de influenciar substantivamente na interpretação de
determinada norma jurídica. E quiçá, obter pequenas vitórias como a que,
posteriormente, testemunhei perante uma das Câmaras do TJTO no caso da
inscrição de débitos de ex-servidores na dívida ativa.
Aliás,
quando se discute o conceito de direito, no fundo se almeja saber como ele é
produzido. Sem adentrar nas contribuições de Hart e companhia, J. J. Calmon de
Passos (Direito, Poder, Justiça e Processo) ensina, de forma didática, que o
direito não é sólido, nem líquido, nem gasoso. É desprovido de estrutura
atômica ou molecular, incapaz de ser compreendido, portanto, como animal,
mineral ou vegetal. O autor baiano utiliza essas e outras figuras pois deseja
retratar que o direito, como as demais obras humanas, é fruto da vontade e não
um objeto preconcebido, ontológico. Tal premissa serve para encarecer o
constante papel da produção do Direito, que não se reduz ao texto escrito
(leis, códigos, decretos, portarias, etc.), estes vistos como possibilidades e
expectativas. Assim, o Direito somente é enquanto processo de sua criação ou de
sua aplicação no concreto da convivência humana. O Direito é o que dele faz o
processo de sua produção.
João Batista do Rêgo Júnior
Procurador do Estado do
Tocantins e filiado à Aproeto. É Mestre em Direito, Estado e Constituição pela
UnB, possui especialização em Educação Superior Jurídica e em Direito e
Processo do Trabalho. Foi Promotor de Justiça Substituto do MPSP,
Auditor-Fiscal da Receita do DF, Conselheiro do TARF/DF, Instrutor da Escola de
Governo/DF e Procurador da Fazenda Nacional.