A centralidade da Constituição Federal no ordenamento jurídico e na vida nacional, após a sua promulgação em 1988, é fato notório. Isso pode ser percebido de diversas maneiras, a saber dos segmentos sociais/profissionais que observam tal protagonismo.
No caso dos profissionais do direito (acadêmicos, advogados, juristas, etc.), o conceito de filtragem constitucional permeia toda a aplicação da legislação infraconstitucional, seja nas relações privadas, típicas do direito civil (função social dos contratos, da propriedade, da família), seja nas relações de natureza vertical, entre o estado e os particulares, em que há uma nítida limitação do poder estatal, razão originária da existência do constitucionalismo.
Já em relação a sociedade em geral, a percepção da Constituição no cotidiano se dá no bojo da efetivação dos direitos fundamentais de natureza prestacional, como a educação, saúde, seguridade social e segurança pública.
Ademais, tal perspectiva é cada vez mais aflorada com a ideia de que as normas constitucionais, muito além de serem meros compromissos inatingíveis, são normas jurídicas de caráter cogente.
Destarte, o controle judicial de políticas públicas é o exemplo mais evidente dessa consciência coletiva de imperatividade das normas sociais (ações individuais e coletivas de saúde, ações para assegurar vagas em creches, etc.).
Apesar dos avanços acima mencionados, não se pode negar o fato de que a concretização dos direitos sociais está muito aquém daquilo estatuído pelo constituinte e, nesse ponto, é importante realizar uma digressão para uma causa fundamental desse estado de coisas: O desequilíbrio federativo.
Muito embora seja de competência comum da União, Estados e Municípios cuidar da educação básica e saúde pública (art. 23, incisos III e V da CR/88), a manutenção dos estabelecimentos correspondentes e a maior parte dos encargos para o cumprimento desses direitos fundamentais recaem sobre Estados e Munícipios, conforme se extrai da simples leitura do artigo 211, §§2º e §3º da CR/88, em relação a educação apenas para dar um exemplo.
Note-se também que a imposição constitucional para a aplicação mínima de recursos para educação e saúde é percentualmente mais elevada para Estados e Munícipios do que para a União (art. 198, §2º e art. 212, caput da CR/88).
Por outro lado, diferentemente da União que possui instrumentos monetários, cambiais, creditícios e fiscais para atravessar momentos de instabilidade financeira, os Estados e Munícipios possuem apenas o instrumento da arrecadação fiscal/tributária como meio econômico para viabilizar as demandas sociais determinadas pela Carta Maior.
Ainda assim, o referido mecanismo constitui parcela menor no bolo de repartição tributária, sobretudo em razão da privatividade da União em estabelecer impostos e contribuições residuais (art. 154, inciso I e art. 195, §4º, ambos da CR/88).
Fica óbvio constatar que a assunção das atribuições estabelecidas a cada ente é inversamente proporcional aos instrumentos disponíveis para a concretização das políticas públicas. Essa situação configura um típico caso de antinomia constitucional cuja resolução parece ser insolúvel sem a alteração por meio do poder reformador.
É nesse contexto que ascende a figura do Procurador do Estado e, por consequência, da Procuradorias Gerais dos Estados, como elemento flexibilizador/atenuador das contradições referentes a normatividade dos direitos prestacionais versus a presença do desequilíbrio federativo (no caso dos Estados Federados).
Alçados ao patamar de Função Essencial da Justiça pela Constituição de 1988, conforme delineado no art. 132 da CR/88, os Procuradores do Estados possuem a prerrogativa de representação do Estado-Membro em Juízo, bem como de exercer a consultoria jurídica das unidades federadas.
Desse modo, a atuação dos Procuradores do Estado, de forma sistêmica e racional, permite maximizar o instrumento arrecadatório que os Estados-Membros possuem, quando, por exemplo, obtém sucesso na recuperação de ativos em sede de execução fiscal. A potencialização desse instrumento também ocorre quando se evita a perda de recursos públicos na defesa bem-sucedida de ações judiciais ingressadas por particulares.
Outrossim, a execução da Procuradoria no âmbito da consultoria jurídica permite que a administração exerça as atividades decisórias e finalísticas com base na estrita legalidade e segurança jurídica. Isso é de grande importância para a administração pública, porquanto permite minimizar os riscos de uma atuação equivocada dos agentes públicos, seja na realização de uma licitação ou na prestação de um serviço de saúde, para ficar em dois exemplos concretos.
A estatura constitucional do Procurador do Estado é, portanto, um poderoso elemento para os Estados-Membros exercerem com mais autonomia a capacidade de prestar as políticas públicas que o imaginário popular entende por Constituição.
ARMANDO NUNES DA ROCHA JÚNIOR
É procurador do Estado do Tocantins associado à Aproeto e lotado na Subprocuradoria Fiscal e Tributária. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Foi Analista Judiciário do TRT do Mato Grosso.
ESPAÇO APROETO – Associação dos Procuradores do Estado do Tocantins (Aproeto)