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Capitulo de livro: Intervenção indevida do Estado no planejamento familiar

Publicado: 04/10/2021 - 12:48

Dr. Lucas Leal Souza (Foto: PGE/TO)

RESUMO: O presente trabalho visa possibilitar o estudo acerca da ingerência estatal indevida na seara privada do indivíduo, no que diz respeito ao direito de não ter filhos, o qual se encontra restringido frente aos requisitos para o acesso a cirurgias esterilizantes arrolados pela Lei Federal n.° 9.263/1996, que regula o §7° do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, dispositivo que trata o planejamento familiar como livre decisão do casal, sem a possibilidade de intromissão por parte do Estado ou dos particulares. Neste estudo, levou-se em consideração que a referida lei viola o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que fere o direito à autodeterminação pessoal, um dos vieses daquele princípio maior, bem como se buscou demonstrar que não há conflito aparente entre a dignidade humana e o exercício da livre di sposição do próprio corpo, j á que este é uma expressão daquela. Visando defender tal pensamento, trabalhou-se com a necessidade de proteção do direito ao livre planejamento familiar por meio de uma imprescindível revisão da Lei n.° 9.263/96 e, como primeiro passo, teceram-se linhas gerais sobre a esterilização voluntária e o planejamento familiar. Seguindo, cuidou-se do pano de fundo necessário ao desenvolvimento deste trabalho, quando se explanaram os dispositivos da referida Lei, bem como aspectos gerais dos direitos da personalidade e dos direitos fundamentais. Ao final, demonstrou-se o equívoco jurídico que se instaurou com a vigência da Lei n.° 9.263/96, o que exige que determinados dispositivos de seu texto se adequem aos ditames civis constitucionais.

INTRODUÇÃO

Vive-se em uma época na qual o fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, compilado em seu Art. 1°, III qual seja: a dignidade da pessoa humana - , tornou-se algo “banalizado”, quiçá drenado de seu real sentido e conteúdo, para, corriqueiramente, legitimar, por exemplo, ações interventivas do Estado na seara privada do indivíduo.

Tem-se, muitas vezes, a autonomia privada sendo limitada pelo poder estatal, sob uma  justificativa travestida de “asseguração da dignidade da pessoa humana frente a direitos fundamentais indisponíveis”.

É a partir desse confronto aparente entre dignidade da pessoa humana e autonomia privada que se verifica a existência no ordenamento jurídico brasileiro da Lei n.° 9.263/96, a qual, ao regular o §7° do Art. 226 da Constituição Federal (CF), que trata do planejamento familiar, finda por limitar o direito que assiste às pessoas de não ter filhos, sendo as mulheres as mais afetadas, a partir do momento em que a Lei traz uma série de requisitos para a realização da laqueadura tubária, além de impedir a utilização da histerectomia como meio contraceptivo.

Assim, é relevante o estudo do indigitado dispositivo legal, destacando a sua afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à autodeterminação, bem como para desconstruir a ideia de que toda interferência estatal na seara privada do indivíduo é legítima e que, muitas vezes, a mitigação da autonomia privada acarreta dano direto no que diz respeito à dignidade da pessoa humana.

Tendo em vista tal parâmetro, estabeleceu-se como objetivo geral analisar se a limitação da autonomia privada nos casos de pacientes que desejam realizar cirurgia esterilizante como meio contraceptivo frente aos critérios constantes na Lei Federal n.° 9.263/1996 se mostra compatível com o ordenamento jurídico.

Partindo de tal ponto, foram estabelecidos os objetivos específicos seguintes: realizar um   estudo   analítico-reflexivo   da autonomia privada do indivíduo em se submeter a procedimentos cirúrgicos esterilizantes com fins contraceptivos,   qualificando   o direito de não ter filhos como direito fundamental e da personalidade que se encontra violado pela limitação estatal imposta ao sujeito; elucidar que não há choque entre dignidade da pessoa humana e autonomia privada que justifique a interferência do Estado nesse caso específico; analisar a necessidade de revisão legal do dispositivo que limita o direito fundamental e da personalidade de não ter filhos.

Com o fito de tratar das questões de análise deste estudo e atingir os objetivos propostos, lançou-se mão do método dedutivo como base lógica, a fim de orientar o processo de investigação. Ou seja, partiu- se da formulação dos problemas gerais e se buscaram posicionamentos doutrinários que os corroborassem ou negassem, para, no   fim, demonstrar a prevalência ou não dos pontos trazidos à baila.

Para uma melhor análise, o presente trabalho foi dividido em quatro seções, de forma a permitir um encadeamento lógico de explanação da temática proposta. Assim sendo, na primeira seção, traçaram-se linhas gerais sobre a esterilização voluntária e o planejamento familiar, de modo a fixar a premissa de que o planejamento familiar se consubstancia na livre decisão daqueles que se unem em sociedade familiar, alertando sobre a existência de embates doutrinários sobre a Lei n.° 9.263/96, já que ela é tendenciosa a ferir a autonomia privada do indivíduo e a sua dignidade.

Na segunda seção, tratou-se basicamente dos efeitos da referida Lei Federal no instituto do planejamento familiar, à medida que se analisaram o seu texto legal e o modo como ele se mostra danoso ao livre desenvolvimento da personalidade do ser humano.

Nesse viés, a terceira seção do trabalho arrola as incompatibilidades da Lei n.° 9.263/96 com os ditames civis e constitucionais, analisando-se, para tanto, como o direito a não ter filhos é expressão da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada e do livre desenvolvimento da personalidade.

A quarta e última seção focou na necessidade de revisão da Lei Federal em comento, trazendo algumas considerações sobre o Projeto de Lei n.° 5.061/2005, que pretendia alterar o texto da Lei n.° 9.263/96, mas que fora arquivado, assim como se fez menção à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.° 5.097, a qual busca a declaração de inconstitucionalidade de um dos dispositivos da já referida legislação federal e que ainda está entrando em fase de julgamento.

Tendo em vista as considerações já tecidas, em se considerando a perspectiva dúplice da dignidade como elemento limitador e integrante (protetivo) dos direitos fundamentais, mostra-se desarrazoado vigorar a Lei n.° 9.263/96, a qual, como instrumento de limitação da autonomia da vontade da mulher em se valer de procedimentos   cirúrgicos esterilizantes, necessita de justificativa alicerçada na sua imprescindibilidade para a garantia de outros direitos fundamentais,   o que não se verifica no caso em tela, haja vista que limitar tal autonomia é violar a própria dignidade da pessoa humana.

Leia o capitulo completo no livro (AQUI)


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