“Passar
fogo?”, “Mandar o Matheus pro inferno”, “Vamos atacar ele”. Esses foram alguns
dos termos usados entre um pecuarista acusado de liderar uma quadrilha de grilagem de terras em unidades de
conservação e o deputado estadual presidente da Comissão de Meio Ambiente da
Assembleia Legislativa de Rondônia, Jean Oliveira (MDB). Os áudios foram
interceptados durante as investigações da Operação Feldberg, da Polícia Federal
e do Ministério Público do Estado de Rondônia.
O “Matheus” dos áudios é o procurador do Estado Matheus Carvalho Dantas, responsável por emitir pareceres ambientais no âmbito na Procuradoria-Geral do Estado. As ameaças vieram diante da recusa do procurador em avalizar a grilagem. Ou seja, chegou-se ao limite sórdido de planejar a morte de um servidor do Estado em razão de sua atuação na defesa da fiel aplicação da lei e da proteção do meio ambiente.
É
de causar mais espanto ainda que o ataque ao agente público tenha sido cogitado
por um parlamentar estadual, eleito democraticamente, e que, por sua função,
deveria ser defensor do Estado Democrático de Direto e das instituições
republicanas, entre elas, a Advocacia Pública. É absolutamente inaceitável que
um agente de Estado sofra retaliações pela firme e independente atuação na
defesa do interesse público.
Desde a Constituição Federal de 1988, que incluiu a Advocacia Pública entre as instituições responsáveis pela defesa do Estado Democrático de Direito, procuradores em todos os cantos deste imenso Brasil vêm exercendo com excelência essa função. Logo, qualquer ataque à atuação de um procurador é uma investida contra a própria democracia brasileira. E não há tolerância para isso.
Ao ingressar na carreira, o procurador se compromete a desempenhar suas funções, com impessoalidade, amparado sempre nos princípios legais e constitucionais da Federação e dos Estados, para garantir a supremacia do interesse público sobre o particular, defendendo o país de desmandos, desvios e irregularidades, que, infelizmente, prejudicam dia após dia a nossa população.
Este
lamentável e preocupante fato demonstra, mais uma vez, a urgência de se
garantir autonomia técnica, administrativa e financeira para as Procuradorias
dos Estados e do Distrito Federal. A autonomia funcional é o caminho para que
os procuradores tenham liberdade de atuação na defesa da democracia, atuando para que os interesses de todos os
cidadãos – verdadeiros titulares dos direitos inseridos na Constituição Federal
– sejam devidamente protegidos.
Desde
2014, o substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição 82/2007,
que garante a autonomia funcional, aguarda pauta no plenário da Câmara dos
Deputados. É imprescindível
que essa proposta saia da gaveta para que episódios repugnantes como este de Rondônia
sejam coibidos.
A
cada dia, no anonimato silencioso de peças e pareceres jurídicos, procuradores
de Estado defendem os interesses da sociedade e protegem o patrimônio público e
ambiental nos salões dos tribunais, fóruns e palácios de governos. A notável
atuação da Procuradoria do Estado de Rondônia, que agiu de forma enérgica e
contundente na proteção da Reserva Extrativista Rio Pacaás Novos, em Guajará-
Mirim (RO), merece aplausos e não ameaças.
As
perseguições políticas realizadas contra qualquer procurador de Estado devem
ser repudiadas e punidas com rigor. A atuação das procuradorias não pode ficar
subordinada a interesses mesquinhos. A defesa do Estado é luta diária nas procuradorias
e não há espaço para sucumbir a pressões e interesses não republicanos. Fatos
como este não intimidam os procuradores, que seguem incansáveis na defesa do
Estado em benefício da sociedade.
*Vicente Martins Prata
Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal (Anape), procurador do Estado do Ceará e doutorando em
processo civil pela USP.